O processo que conduziu ao reconhecimento da UNESCO do cante alentejano, estimulou mulheres a organizarem-se para inscreverem na matriz do Património Cultural Imaterial o seu conhecimento de outras práticas polifónicas de matriz rural. As iniciativas dirigem-se aos grupos de cantares dos quais fazem parte, aos poderes locais, à academia, à criação de redes de comunicação com grupos de outras localidades e à organização de encontros com detentoras de repertórios e competências específicas desse modo de cantar. Esse canto a duas, três ou mais vozes femininas, podendo a mais grave ser duplicada por homens, gera no século XXI novas ações sociais, assumidamente por mulheres, num enfrentamento interventivo e crítico das dinâmicas sociais atuais. A sustentabilidade destes processos musicais que rememoram saberes tradicionais em novos contextos e práticas sociais, são o foco da análise do estudo. Interessam-me questões como a sustentabilidade de sistemas musicais complexos, nomeadamente, a sua correlação com a prática social reiterada e a transmissão de conhecimento; a ética do bem comum e da vida social pública; a participação intersubjetiva no fazer da música e a criação de redes de comunicação potenciadas pelo canto a vozes no século XXI. Pretendo, também, conhecer as cantadeiras que agenciam este projeto e analisar os processos sociais e políticos que contextualizaram as ações de documentação e de institucionalização desta prática performativa, numa cartografia relacional e afetiva.
Documentadas desde finais do século XIX por diferentes folcloristas, as diferentes formas de canto a vozes de mulheres não foram apropriadas pelo discurso folclorista do regime do Estado Novo e foram periféricas no processo de refundação do folclore em democracia.
Este estudo surgiu do convite para que estudasse o “canto de mulheres” ou as “polifonias rurais”, no século XXI em Portugal, formulado por algumas das mulheres agentes neste processo. Sou, por isso, uma agente no processo em estudo.
Maria do Rosário Pestana
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