A edição de música tradicional em contexto de globalização e diversificação da produção musical
Pedro Nunes (INET-md | NOVA FCSH)
O meu projecto incide sobre pequenas estruturas editoriais dedicadas à edição de música tradicional que se afirmam no novo milénio. Partindo de considerações gerais sobre as novas formas da indústria fonográfica sobretudo no que toca aos modelos de distribuição e às sinergias entre diferentes áreas de promoção e divulgação de música, abordarei as práticas e valores destas estruturas em contexto de globalização e de hibridização da música tradicional ao longo dos últimos vinte anos. Terei em conta as características peculiares da produção, edição e distribuição da música tradicional em comparação com outros subcampos de produção musical em Portugal. Tomando como exemplos a D’Euridice (selo editorial da associação D’Orfeu) e a Sons da Terra, analisarei os impactos destas editoras e as suas configurações, desde a linha editorial às formas de distribuição, passando pelas sinergias que se estabelecem com outras estruturas e com os canais de divulgação das suas edições. Tomarei como referentes teóricos as noções de campo musical e de capital propostas por Pierre Bourdieu e de mundos artísticos proposta por Howard Becker.
Imagens da “tradição” no Festival RTP da Canção
Sofia Vieira Lopes (INET-md | NOVA FCSH)
A televisão é um medium por excelência para a disseminação em larga escala de comportamentos expressivos e, por conseguinte, da teia de significados que estes veiculam. Ao longo dos mais de sessenta anos de história da televisão pública em Portugal, as práticas musicais que remetem para uma ideia de “tradição” têm sido difundidas de formas muito variadas e por intermédio de programas com formatos bastante distintos. Se em alguns programas têm sido transmitidas recolhas etnográficas de carácter mais ou menos científico; noutros, as práticas consideradas “tradicionais” são reinventadas e reconfiguradas tendo em vista a produção de conteúdos de entretenimento. A produção televisiva, pela sua abrangência em termos de público e pelo seu poder enquanto configurador de gostos, forja e reifica narrativas acerca das práticas culturais, materializando um conjunto noções acerca da “tradição”. No caso da RTP, enquanto concessionária do Serviço Público de Televisão e Rádio, a sua obrigação de “(…) apresentar uma programação […] que promova a formação cultural e cívica dos telespectadores, garantindo o acesso de todos à informação, à educação e ao entretenimento de qualidade”, promovendo a “diversidade das expressões culturais” (Contrato de Concessão do SPTVR, 2015), faz com que este papel de gatekeeper seja ainda mais relevante.
Neste contexto, o Festival RTP da Canção (FRTPC), com uma história de mais de cinquenta anos (1964 – 2019) e enquanto uma das “marcas” mais importante da televisão pública, assume uma função crucial na reconfiguração de práticas musicais e sua mediação. Criado com o objectivo de seleccionar a canção representante de Portugal no Festival Eurovisão da Canção (ESC), o FRTPC tem respondido aos desafios societais desde a segunda metade do Séc. XX até à actualidade, acompanhando e até mesmo fomentando as mudanças políticas e sociais que marcaram este período. Tendo em vista a representação na esfera mediática internacional e na arena diplomática e política que é o ESC, o modo como as identidades portuguesas são plasmadas na composição musical e na construção da performance para o FRTPC, permite-nos observar um conjunto de valores de ordem estética, ideológica e política acerca das identidades nacionais. As ideias sobre “tradição” e o valor que esta poderá ter na representação nacional são aqui mediadas e negociadas por um conjunto de actores com funções distintas.
Deste modo, a minha contribuição para este projecto tem como objectivo encetar o debate acerca do modo como a televisão e o Festival RTP da Canção em particular se têm apropriado das práticas consideradas “tradicionais” como suporte para a encenação de narrativas identitárias com o objectivo da sua mediação nas esferas nacional e internacional. Esta investigação consiste na identificação das práticas musicais e dos agentes envolvidos, de forma a compreender os valores subjacentes às suas escolhas. Munida de um conjunto de ferramentas metodológicas próprias do trabalho etnográfico focado no passado, analiso não só às práticas musicais, mas também a teia discursiva criada em torno deste fenómeno a partir da análise do campo mediático em que este evento se move, não descurando o valor do discurso directo dos intervenientes envolvidos.